Uma seita que arrebanha integrantes na capital paulista para trabalhar sem
salário em fazendas e indústrias no interior de Minas Gerais e na Bahia já
reúne cerca de 6 mil pessoas. Para ser aceito no “mundo paralelo” do grupo
Jesus A Verdade que Marca, é preciso, segundo a polícia e ex-integrantes, doar
casa, carro e os demais bens para os líderes e obedecê-los cegamente. As regras
incluem a proibição do marido dormir com a mulher, o confinamento em fazendas e
alojamentos e o veto a TV e internet.
A suspeita é de que o pastor Cícero Vicente de Araújo esteja articulando a
expansão da seita para a cidade de Ibotirama (BA). Publicamente, o grupo tenta
se desvincular do caráter religioso e formou seis associações de agricultores.
A polícia crê que as entidades, com fazendas arrendadas, sirvam como fachada
para um esquema de lavagem de dinheiro, supressão de direitos trabalhistas e
formação de quadrilha. Uma lista com nome dos eleitores fará a investigação
verificar a possibilidade de manejo político. Dois vereadores da região são
identificados com a seita. Ex-fiéis afirmam que Araújo os arrebanhou em igrejas
na Lapa, zona oeste da capital, e Osasco. Os templos mudam constantemente de
endereço. A PF averigua a existência de um novo na região da Sé.
Durante
a Operação Canaã, deflagrada pela Polícia Federal na terça-feira, dois líderes
da seita – cujos nomes não foram revelados – acabaram presos por apropriação
indébita ao serem flagrados com cartões do Bolsa-Família de integrantes do
grupo. Para a PF, o discurso religioso é um atrativo para cooptar mão de obra
escrava. “É um grupo extremamente fechado, que busca pessoas em situação
vulnerável e as mantém nas propriedades com uma alta carga de doutrinação”, diz
o delegado João Carlos Girotto.
O
advogado do grupo, Leonardo Carvalho de Campos, argumenta que as fazendas nas
cidades de Minduri, São Vicente de Minas, Madre de Deus e Andrelândia são
apenas associações de agricultura comunitária.
Depoimentos
de ex-integrantes destoam do que ele diz. Um aposentado de 72 anos conta que o
pastor Cícero o convenceu a doar tudo o que tinha porque “todas as estradas iam
se fechar e colocariam chips na cabeça das pessoas”. “O pastor disse que só
quem fosse para aquela região de Minas conseguiria viver bem.” Há três anos, o homem
tenta reaver na Justiça os R$ 32 mil de um carro e parte do dinheiro de uma
casa que vendeu para aderir à seita. Para manter os fiéis, o ex-adepto conta
que os pastores afirmavam que as pessoas que saíssem seriam amaldiçoadas. “Eles
diziam que os demônios destruiriam aqueles que saíssem e passavam uns filmes da
inquisição”.
Carne. Apesar de todos se tratarem por irmã ou irmão, os ex-membros relatam
disparidade de tratamento. “Eu passava as noites limpando tripa, cabeça e pé de
boi para comermos. A carne ia para os líderes”, contou uma ex-adepta da seita,
de 42 anos, que vendeu a casa e doou para o grupo. A vigilância é outra
característica, diz ela. “Minhas duas filhas, de 20 e 22 anos, ficaram lá e há
dois anos não as vejo.” Um médico do Programa de Saúde da Família conta que os
integrantes não ficam desacompanhados nem durante as consultas.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo